O ritual é repetido em todo final e começo de ano.
Quantas postagens não foram feitas neste período dizendo como você deveria planejar as suas metas para, assim, obter o sucesso esperado?
Bem, agora que o ano novo já ficou velho, que as promessas de mudanças feitas no réveillon já foram quebradas, agora que o ritual acabou e muitos projetos já foram abandonados, vou apresentar o meu ponto de vista sobre esse assunto.
O fetiche do business plan
Quando imaginar um projeto, ou uma meta, cuidado para não se fixar nos métodos de execução e acabar perdendo a disposição, a atitude que precisa ter.
Essa disposição interior é mais importante para a realização dos projetos e das metas do que os métodos de execução e planejamento.
Os métodos de execução e o planejamento são úteis e têm o lugar deles, mas eles são posteriores a essa atitude, a essa disposição interior.
O erro está em condicionar a ação aos planners.
Aí você acaba planejando, planejando e planejando, preenchendo todos os planners e… não agindo.
É que sem a disposição interior adequada os métodos acabam se transformando no maior obstáculo para o movimento, para o tornar-se.
Sendo assim, é preciso evitar ao máximo o fetiche de ver a vida como um planejamento de negócios.
Racionalizar demais e programar demais cada passo a ser dado para tirar o projeto do possível e instalá-lo na realidade concreta vai provocar paralisia.
No fundo, esse mecanismo paralisante é efeito do medo de olhar para a realidade desconhecida, própria de toda jornada que queremos começar.
É impossível antecipar tudo e buscar soluções antes de estar diante dos problemas reais.
Sentido, não burocracia empresarial
Certa vez li em algum dos seus livros o Viktor Frankl contar a história da crise existencial de um grande homem de negócios.
O homem, mesmo tendo batido todas as metas, cumprido todos os objetivos, preenchido todas as folhas do planner, sentia um certo vazio, sua vida tinha perdido o sentido.
O Viktor Frankl, mestre das verdades existenciais, aconselhou o homem a encontrar algo que lhe fizesse sentido.
Dias depois o homem retornou ao consultório de Frankl.
Ele havia largado o mundo dos negócios e começou a aprender a arte de afinar pianos.
O homem se lembrou dos momentos de infância em que passava com o avô afinando pianos e descobriu nesses momentos o seu forte desejo de ser.
Imagine a tranquilidade, a satisfação que esse homem experimentou ao reconhecer quem ele queria realmente ser.
A tranquilidade e satisfação dele não vieram do orgulho da conquista do topo, onde ele já estava - e foi no topo em que sua vida perdeu sentido -, mas de algo mais simples.
Afinar pianos trazia ao homem sentido, e também prazer.
Sentido e sublime parecem andar juntos.
Essa história é exemplar e serve para olharmos com atenção quem de fato ansiamos nos tornar.
Não é nada difícil dispersar do que nos é mais pessoal em meio aos dez mil mandamentos do quê devemos querer e do quê devemos ser disponíveis no mercado.
Não se trate como uma coisa
Querendo ou não a vida humana é projetiva, estamos sempre atirando uma flecha em direção ao futuro e caminhando para onde a flecha fincou.
Aliás, devemos acender o alerta quando o desejo de lançar as flechas enfraquecer e as nossas projeções minguarem.
Saiba disso: a vida humana não é uma coisa.
Quando olhamos para um copo ou uma cadeira, apreendemos rapidamente o que eles são, o campo de possibilidades desses objetos.
São coisas estáticas, estão dadas.
A vida humana, um projeto, não são estáticos, não estão dados.
Não há previsibilidade.
Então, se você quer planejar o seu ano, atingir metas profissionais ou pessoais, vai precisar acolher a dinâmica da imprevisibilidade inerente a qualquer jornada.
Se é impossível antecipar todos os eventos e exigências da jornada, é possível treinar para estar à altura dela.
Escrever com clareza, por exemplo, e com um estilo bacana vai exigir de mim, além de perseverança e paciência, muito treino.
É o treino que capacita e desenvolve as qualidades e habilidades de uma boa escrita e de um estilo bacana.
E é treinando que eu desenvolvo o que é necessário para me tornar capaz de executar os meus projetos.
Ser mais como o Tolo
Se você não quer paralisar diante da vida, de um projeto ou diante de um blog, precisa recrutar um tipo de força, chamada coragem.
Como na carta o Tolo, ou o Louco, do tarô, símbolo do início de todos os empreendimentos humanos.
Repare a imagem:
Nela vemos um jovem olhando acima da linha do horizonte, carregando uma trouxa sobre os ombros e segurando um bastão.
Ele parece caminhar despreocupado, curioso, quase inconsequente, buscando por experiências e novos cenários.
Essa carta inspira a coragem necessária para começar, seja lá o que for.
Ir, apenas começar. É caminhando que se descobre os ajustes que precisam ser feitos.
O Tolo decidiu caminhar ao invés de calcular ou racionalizar as etapas do caminho, ele está caminhando.
O que vai contar é disposição de deixar o caminho ir se construindo a cada passo dado. Dito de outro modo: ir fazendo e ver no que dá e no que não dá.
O problema é que as pessoas não querem mais ser um Tolo.
Todo começo é assim: há pouco recurso, pouco conhecimento, pouca prática, vamos nos sentir meio idiotas, mesmo.
E é para ser desse jeito.
Todo início de projeto traz em si um potencial desconhecido e um alto grau de imprevisibilidade.
Muito daquilo que costumam chamar de síndrome de impostor vem da incapacidade de acolher o rídiculo próprio dos inícios.
Olhe primeiro para o desejo de ser, depois para as metas e planners
Toda meta, todo objetivo, todo propósito que uma pessoa faz é, na verdade, um desejo de ser.
Quando fazemos propósitos, definimos objetivos, criamos metas, queremos nos colocar em movimento, provocar mudanças ou gerar transformação em nós mesmos.
Desenvolver uma habilidade exigida pelo trabalho, aperfeiçoar o caráter, amar mais, tudo isso é movimento de tornar-se.
É o movimento de saída de quem que sou agora para me tornar quem eu quero ser: ser mais competente, ser uma boa pessoa, ser mais amoroso.
Toda essa ritualística de virada de ano nos lembra de algo que precisamos fazer com a nossa vida, de que há um para quê viver, mesmo que falte clareza sobre esse algo e esse para quê.
As conseqüências dessa falta de clareza são desastrosas.
Por que? Porque as pessoas traçam metas, aceitam desafios, fazem planos, definem objetivos que elas, no fundo, não desejam.
Não possuem um desejo forte para o que se propõem, pois no final das contas, esses propósitos não farão com que elas sejam quem elas realmente querem ser.
Daí acontecem as desistências, as frustrações, os sentimento de derrota, o remorso e os fracassos.
Os projetos pessoais que deveriam ser vividos de maneira esperançosa e alegre, mesmo com as renúncias e sacrifícios que eles exigem, viram um suplício maldito.
O problema é que ninguém sabe o que quer.
Você sabe o que quer?
“Essa disposição interior é mais importante para a realização dos projetos e das metas do que os métodos de execução e planejamento.
Os métodos de execução e o planejamento são úteis e têm o lugar deles, mas eles são posteriores a essa atitude, a essa disposição interior.
O erro está em condicionar a ação aos planners.“
Logo no início do texto, uma puta chavinha virou aqui. Thanksss
Muito bom!
Há um espelhamento quase infinito de desejos no qual o nosso querer pessoal se perde.
Texto incrível! Saber o que se quer se tornou tão difícil quanto querer o próprio conhecimento desse desejo.